Antes de dormir lembrei de uma saia
Verde xadrez que fazia um conjuntinho lindo com um blazer da mesma estampa. Eram da
minha mãe e eu sempre gostava de vestir, me sentia uma personagem de filme inglês. Um
dia teve uma gincana e uma menina precisava se vestir de sherlock holmes.
Emprestei a saia e eu nunca mais vi.
Não sei de qual Boutique era, sei que era plissada, mas não muito plissada, que o cós era alto mas brincava um pouco com a silhueta porque o corpo da saia só começava no quadril.
Minha mãe lembra disso até hoje, mesmo o episódio já tendo feito aniversário de 10 anos.
Eu sinto falta da saia também. Fiz até um ensaio imitando uma inglesa que fugia de casa (ou tentando imitar, na prática só fiquei parecendo uma doida no meio da rua)
Minha mãe tinha muito bom gosto. Nunca se vestia igual a todo mundo, eu sempre achava as roupas dela mais charmosas, sempre tinha um item fashion. Na formatura de minha prima Tatiana todos estavam de vestido e ela estava com um conjunto calça + blusa bata sem corte nenhum, de seda, super fluido, transparente e com uma gradiencia muito bonita que ia do roxo até o creme. Me lembrava um cristal bruto de ametista.
Ela tem quase 70 anos, me teve aos 42, a infância dela nas histórias que ela contava era sempre uma coisa muito distante pra mim. As fotos da Rita jovem e festeira me fascinavam e as roupas eram a materialidade dessas memórias que ela tinha e que eu achava que eu tinha também de tanto que gastava tempo imaginando.
Um corset de veludo também me acompanhou por muito tempo e hoje nem sei onde tá. Era dela aos 20 e poucos e eu usava sempre que precisava interpretar uma personagem de décadas anteriores. Engraçado que eu usei o mesmo pra fazer uma moça dos anos 40 que teve que começar a trabalhar numa fábrica depois de perder o marido pra guerra, mas também pra interpretar a malevola.
Eu vestia e instantaneamente me sentia sexy, conectada com esse passado que eu tanto fantasiava, mas ao mesmo tempo meio sombria, misteriosa.
O corset era preto e cobre, todo em veludo, apertava bem nos seios e desenhava minha cintura como ninguém antes fez. Ele não tinha cordas ou fechos, vestia-se como uma blusa e não era muito estruturado, tinha alguns arames ao redor, mas era mais uma releitura.
Minha mãe também tinha um biquíni de tecido de algodão, não era o tecido comum pra roupas de banho. Ele era preto com detalhes em verde e umas aplicações com botões. Eu achava tão pequeno. Não entendia como ela usava aquilo aos 19-20 anos e ele nunca caberia em mim nem aos 14.
Isso me instigou a pesquisar os corpos dos anos 70. Todo mundo era tão magro, descolado. Os rapazes eram sempre bigodudos, todas as fotos da minha mãe se pareciam com a elite boêmia carioca. Eles moravam todos em Salvador, mas costumavam passar as férias no Rio. Era o point, e eles eram solteiros e concursados.
Eles porque meu pai tinha exatamente a mesma vida mesmo antes de se conhecerem. Meu pai jovem me lembra tanto o belchior quando era jovem. Tem uma foto dele em preto e branco num bar no rio com mais 4 amigos, copos de cerveja e cigarros, contraste alto por causa do flash. Eles estavam sentados numa mesa na calçada.
Eu acho a boêmia tão poética, vocês não? Essa coisa de sentar despretensiosamente numa mesa com um ou dois amigos, pedir uma original ou Heineken, ou uma coca zero. No meio da conversa, como é um bairro que vocês frequentam sempre, um amigo passa com o cachorro na coleira e decide sentar também. Vocês falam das últimas notícias da vida e do jornal nacional. A noite tá fresca, nem frio nem calor. A conversa tá boa, a cerveja tá gelada.
Poucas coisas me deixam mais no presente do que isso. E talvez todo esse romance sobre esse momento venha dessa foto. A vida de artistas começa e termina no bar. Dos comentários sobre os projetos até a celebração depois deles prontos, é sempre num boteco de esquina.
Meus pais se conheceram num bar também. Perto da praia, acho que numa ilha. Tava tocando o que é o que é do Gonzaguinha. Eu imagino meu pai usando uma calça Jeans da levis e uma lusa branca que mostrasse os pelos dos peitos e minha mãe de vestidinho de verão estampado, cabelo de permanente muito cheio e vontade de viver.
Antes de dormir lembrei disso tudo, depois coloquei Tim Bernardes pra tocar baixinho até eu pegar num sono.
Pedi pro chat gpt criar umas imagens de como seriam as roupas, ele mandou coisas bem parecidas então vou deixar as imagens aqui.