Sex and the City teve um papel fundamental na quebra de estigmas sobre moda, maquiagem e feminilidade. As mulheres que conduzem a narrativa são totalmente diferentes umas das outras, mas têm em comum a independência financeira, a consciência sobre seus gostos e a autoestima que, às vezes abalada, recorre à força da amizade como combustível.
Além de todos esses valores escancarados que, na época, chegavam a ser subversivos, Sex and the City atraiu gerações diferentes pela dinâmica instigante da amizade. As personagens são contraditórias. Especialmente a Carrie (Sarah Jessica Parker), que escreve sobre sexo com a ousadia de uma sexóloga sábia, mas, em contraposição, é uma mulher que exige das pessoas coisas que elas nunca ofereceram, ou se coloca num lugar de protagonista quando é apenas coadjuvante — como quando, depois de transar com o Big (Chris Noth) enquanto ele era casado, persegue a esposa dele até encontrá-la para pedir desculpas pelo divórcio. Para mim, aquela cena ressoa até hoje como definição de vergonha. Fora que, além da situação em si já ser constrangedora, a Natasha (Bridget Moynahan) ainda amarra tudo com chave de ouro, humilhando a Carrie com as palavras:
“Eu também sinto muito, sinto muito por ter me apaixonado e casado com ele e sinto muito por você ter destruído o meu casamento e agora também o meu almoço.”
Esse traço de personalidade da Carrie movimentava Sex and the City, mas em And Just Like That sumiu. Claro, uma viúva de 67 anos não deve ter a mesma personalidade de uma jovem solteira nova-iorquina aos 34, mas, ao mesmo tempo, essa Carrie senhora parecia ter certeza de absolutamente tudo. Estar sempre bem resolvida. Os roteiristas também perceberam isso e, nessa última temporada, pincelaram questões como o relacionamento dela com o Aidan (John Corbett) e o dispositivo da casa enorme e vazia que reiterava a solidão, em paralelo com o caso do escritor misterioso. Mas todas essas propostas, que tinham sim potencial para explorar coisas significativas, foram colocadas de forma superficial, sabe? Não se concluíam. A Carrie começava a ficar pensativa, chegou até a se incomodar com a Seema (Sarita Choudhury) mencionando um dia vender o imóvel, mas logo retraiu o pensamento, que não chegou a lugar algum.
O término em si com o Aidan, apesar de ter ouvido por aí que era uma cena forçada e destoava da personalidade dele, na verdade, para mim, foi o momento mais sincero de todo o arco. A Carrie demonstrou uma maturidade diferente da monótona que vimos em outros momentos, ao determinar que não ia cobrar dele a confiança que ele não poderia dar.
Eu até me sinto injusta dizendo que não houve nenhuma crise: o peso do tempo, os arrependimentos, o medo de recomeçar depois dos 60, a diferença prática entre suas vidas… Esses temas foram pincelados em diálogos, mas não geraram conflitos que fizessem a série avançar. E, por mais que eu ame filmes e narrativas contemplativas sem um grande beat a beat, não funcionou com a dinâmica de Sex and the City.
Além disso, achei Nova York totalmente apagada nessa história. A dinâmica em relação aos nova-iorquinos até apareceu quando a Miranda (Cynthia Nixon) se envolveu com a freira, mas, de novo, foi mais mencionada do que utilizada como dispositivo narrativo.
Eu amei o arco da Charlotte (Kristin Davis), totalmente coerente e muito bonito ver a relação dela com o marido Harry (Evan Handler) e a questão da virilidade indo embora pela doença, em contraste ao que ela sofreu com o primeiro marido, o Trey (Kyle MacLachlan), que além de ser impotente, não se esforçava para transar. Isso mostra mais uma vez como o casamento dela com Harry foi certeiro e deu a ela o que merecia: liberdade e companheirismo.
O arco das duas novas personagens, com quem nós não temos intimidade alguma, também é interessante: esse desejo da Lisa (Nicole Ari Parker) pelo assistente, esse corte abrupto do desejo e a decadência do marido, versus a tentativa dela de ficar. Mas a gente não tem tanto apego a elas para dar importância suficiente.
Fiquei feliz pela Seema e o jardineiro.
Mas, falando a verdade, todos esses problemas substanciais se tornam ínfimos se comparados à questão principal: sem Samantha (Kim Cattrall), sem borogodó. Os quatro arquétipos se conversavam de modo que tudo se alinhava:
Carrie (Sarah Jessica Parker), busca pelo amor e a reflexão sobre a vida; Samantha (Kim Cattrall) é a mulher independente e sexualmente livre, ligada à energia selvagem; Charlotte (Kristin Davis), a romântica, busca o casamento e a família, representando a esperança e a inocência; Miranda (Cynthia Nixon), a advogada, é a figura da mente racional, da independência e da busca por sucesso profissional.
Assim, Samantha era o balde de água escaldante para esse trio sóbrio. E sem ela, não tinha como continuar.
Apesar de tudo, somos todas gratas a tudo que aprendemos com Sex and the City. A todos os cosmopolitans que tomamos.
No fim, Sex and the City nunca foi sobre quatro mulheres em Nova York. Era sobre amizade como força vital. Sem Samantha, não havia como manter essa chama acesa. E, por mais que a série tenha tentado, a gente se despede com gratidão pelo que foi, e não pelo que se tornou.